Ditaduras são assim. Culto total a quem for o chefão

O Comité Central do MPLA aprovou, hoje, por aclamação, a candidatura do actual vice-presidente do partido e chefe de Estado angolano, João Lourenço, ao cargo de presidente do partido. A “novidade” quase fazia parar o país. Na democracia “made in MPLA” o partido escolhe, aprova e aclama a candidatura e ai de quem se atreva a discordar.

A informação consta do comunicado final da terceira sessão extraordinária do Comité Central, realizada hoje em Luanda, sob orientação do presidente do partido, José Eduardo dos Santos.

A reunião serviu para, entre outros assuntos, analisar a candidatura do também Presidente da Republica, João Lourenço, e preparar o congresso extraordinário.

O documento sublinha que o Comité Central reiterou os grandes objectivos do 6.º congresso extraordinário do partido, marcado para 8 de Setembro deste ano, que vai decorrer sob o lema: “MPLA com a Força do Passado e do Presente, Construamos um Futuro Melhor”.

Sobre a transição política na liderança do partido, com a saída de José Eduardo dos Santos, o Comité Central considerou que “deve continuar a decorrer num ambiente de perfeita harmonia, ampla participação e aceitação dos militantes, na salvaguarda dos princípios e valores do MPLA, com vista ao reforço da unidade e coesão no seio do partido”.

“A realização do 6.º congresso extraordinário do MPLA constitui, pois, um momento sublime de congregação da família MPLA, onde os delegados participantes ao evento em representação de todos os militantes, reafirmarão o desejo em apoiar a nova liderança do partido, visando os desafios do presente e do futuro”, refere o comunicado.

O Comité Central manifestou ainda “profundo reconhecimento e gratidão ao camarada presidente José Eduardo dos Santos pela forma ímpar como dirigiu os destinos do MPLA e do país durante os últimos 39 anos, particularmente aos processos de paz e reconciliação nacional e pela forma exemplar como tem estado a conduzir o processo de transição política no país”.

No discurso de abertura da reunião de hoje, o líder do partido disse que o congresso “decorrerá sem dúvida numa atmosfera de fraternidade e camaradagem”.

O Bureau Político já tinha dito o mesmo. Portanto, com muito parto de 100 por cento dos “votos”, no dia 8 de Setembro o MPLA terá “O novo escolhido de Deus”.

O Comité Central do MPLA já tinha aprovado no final de Maio a proposta de candidatura de João Lourenço ao cargo de presidente do partido, que é liderado desde 1979 por José Eduardo dos Santos. Falamos, por isso, de mais do mesmo e até ficamos (pensam eles) com a sensação de que o MPLA é um partido democrático.

Vão assim diminuir os comentários sobre a existência de uma suposta bicefalia entre João Lourenço e o líder do partido, José Eduardo dos Santos,

José Eduardo dos Santos, de 75 anos, anunciou em 2016 que deveria deixar a vida política activa este ano, tendo confirmado a sua saída, na última sessão extraordinária do Comité Central do MPLA, realizada a 25 de Maio, argumentando que “tudo o que tem um começo tem um fim”.

A liderança do MPLA foi assumida por José Eduardo dos Santos a 21 de Setembro de 1979, na sequência da morte do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, a 10 de Setembro do mesmo ano, em Moscovo.

Na altura, com 37 anos, José Eduardo dos Santos admitiu que não seria “uma substituição fácil nem possível”.

Ao contrário da tese imposta por João Lourenço e “livremente” aceite pelos dirigentes do partido, o MPLA, desde que o seu Presidente, José Eduardo dos Santos, deixou de ser Presidente da República começou a mostrar um dinamismo assinalável e, reconheça-se, muito mais político e social do que nos 38 anos em que o seu líder acumulava as duas funções.

Seja por corresponder a uma tentativa para que o seu Presidente não perdesse poder, seja porque os laivos de uma democracia interna, embora ainda embrionária, começavam a medrar, foi visível que o MPLA dava sinais de que, afinal, não era incompatível (pelo contrário) o Presidente da República ser um e o Presidente do partido que o sustenta politicamente ser outro.

Nas democracias mais avançadas do mundo, o Presidente da República – mesmo nos casos e m que acumula o cargo com o poder executivo – não é o líder do partido a que pertence.

Aliás, até mesmo por uma questão de ética e moral, ao ser eleito Presidente da República, João Lourenço passou (ou deveria ter passado) a ser o Presidente de todos os angolanos e não apenas dos que são do MPLA.

Do ponto de vista do funcionamento democrático, certamente que os deputados do MPLA teriam mais liberdade de escolha e de posicionamento em relação às questões que preocupam o país, se o Titular do Poder Executivo não fosse Presidente (nem vice-Presidente) do seu partido.

Chegaram a ser visíveis duas correntes de opinião, tanto no seio do MPLA como na própria sociedade. A maioria a defender que o Presidente da República deve ser também Presidente do partido. Foram 42 anos a funcionar nesse sistema e, cristalizados no temor de que para pior já basta assim, os angolanos (sobretudo os do MPLA) continuam agarrados ao passado.

O “MPLA pós 2017”pareceu querer assumir um papel novo e mais actuante, no concerto da tribo partidocrata e da sociedade, com a realização de actos normais e regulares de um partido político que há muito não se assistia.

Registe-se, por exemplo, que este ano o secretariado do bureau político do MPLA já se reuniu mais vezes (na sua sede, sob liderança do presidente), do que em cerca de 24 meses de actividade em 2016 e 2017. A justificação reside no facto, dizem, de pela primeira vez em 42 anos ter um Presidente exclusivamente virado para a sua organização interna e demitido das tarefas do Estado.

O MPLA colocava-se desta forma, pela primeira vez, igual aos demais partidos, onde o seu actual Presidente, teria apenas papel duplo, num único órgão: Conselho da República, onde tem assento como presidente do MPLA e ex-presidente da República.

O modelo poderia representar um ganho para a verdade democrática, não tendo ele capacidade de fazer dos cofres do Estado a extensão das necessidades financeiras do partido, para manutenção do poder e alimentação da máquina da fraude estatal.

Mas não vai ser assim. João Lourenço jamais poderá dizer que é Presidente de todos os angolanos. Pelo menos enquanto não conseguir, como é seu desejo, que todos os angolanos sejam do MPLA.

Folha 8 com Lusa

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